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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Do lixo à cidadania

Mundo


Abordar a questão do lixo e suas principais e atuais problemáticas requer um mergulho no passado, para compreender melhor sobre qual tipo de lixo estamos falando. Afinal, o lixo faz parte da produção humana desde tempos ancestrais – foi se modificando e se transformando, assim como a própria vida de maneira geral. Se nos tempos pré-históricos a quantidade de lixo produzida por homens e mulheres era pequena e pouco variada, a evolução da ciência e da tecnologia possibilitou a transformação de matérias-primas naturais e a criação de novos produtos, totalmente estranhos ao meio ambiente, ainda que bastante úteis para a humanidade. Esses novos produtos, como os papéis, plásticos, vidros, metais e muitos outros, passaram a fazer parte do dia-a-dia da humanidade e também do lixo produzido. Mas, ao contrário do lixo primitivo, que se reintegrava naturalmente ao ambiente, esses novos materiais compõem um tipo de lixo diferente, um lixo que resiste, que não sedeteriora com facilidade, que ocupa espaço e que incomoda a consciência ambiental de muita gente, preocupada com o destino do planeta.

Papéis, vidros, plásticos, materiais ferrosos, alumínio e outros resíduos que seriam enterrados em aterros sanitários ou jogados em lixões ganham uma nova vida, deixam de ser lixo e viram matérias-primas

O lixo produzido por uma sociedade pode revelar aspectos importantes sobre seus hábitos de consumo e poder aquisitivo das famílias. Se pudéssemos fazer uma comparação entre o lixo doméstico produzido em nossa casa nos dias de hoje e o lixo doméstico produzido na casa de nossos avós, por exemplo, as diferenças seriam enormes. Da mesma forma, o tratamento dispensado ao lixo pode revelar qual a importância que a sociedade dá ao tema, se existem marcos regulatórios eficazes e técnicas eficientes para a coleta, transporte, armazenamento e destinação final dos resíduos sólidos. Entre as técnicas utilizadas para a destinação dos resíduos sólidos, uma em especial merece nossa consideração: a coleta seletiva. A coleta seletiva é aquela que recolhe somente os materiais recicláveis, aqueles que podem ser utilizados como matéria-prima na indústria da reciclagem. Papéis, vidros, plásticos, materiais ferrosos, alumínio e outros tipos de resíduos que seriam enterrados em aterros sanitários ou jogados em lixões ganham uma nova vida, deixam de ser lixo e viram matérias-primas. Com a coleta seletiva, o resíduo que era lixo, que estava desorganizado e misturado, passa a ser organizado, selecionado, vira matéria-prima.

Aproveitamento da matéria-prima

Para a indústria da reciclagem, a utilização de resíduos sólidos como matérias-primas é um grande achado. Há estudos econômicos que indicam que a utilização de produtos recicláveis como matéria-prima reduz significativamente os gastos dos processos de produção, além de reduzir em 74% a poluição do ar, em 35% a poluição da água, gerando um ganho de energia de 64%.1 Há, ainda, uma sensível redução na quantidade de matéria-prima natural utilizada. Para citar o exemplo do alumínio, um dos materiais recicláveis mais coletados no Brasil, estima-se que a redução da utilização de bauxita seja da ordem de 90% para cada nova latinha produzida.2 Um reflexo da utilização dos resíduos sólidos como matéria-prima na indústria da reciclagem é, portanto, a diminuição da extraçãode matéria-prima virgem. Para além dos benefícios econômicos, a coleta seletiva e a reciclagem de resíduos sólidos podem gerar impacto na imagem das empresas que trabalham com esses materiais. Se, na década passada, poucos consumidores e consumidoras se sentiam atraídos por produtos reciclados, hoje o mercado para os reciclados cresce a olhos vistos. Várias marcas e empresas que tinham receio em ver seus produtos atrelados ao conceito de reciclagem hoje investem pesado na propaganda dessas qualidades, ressaltando seu “compromisso ambiental” e com o “desenvolvimento auto-sustentável”. Apesar de ser uma prática interessante sob diversos aspectos – já destacamos aqui os aspectos econômico e ambiental –, a coleta seletiva ainda é uma atividade rara no Brasil e pouco incentivada pela legislação. O apoio governamental por meio de programas e políticas públicas, por exemplo, pode propiciar avanços muito concretos e importantes: por meio da universalização da coleta seletiva no município, priorizando a inclusão de catadores e depositários de resíduos sólidos participantes da cadeia produtiva da reciclagem na sua gestão e execução; do incentivo à instalação de indústrias recicladoras no estado, ampliando as possibilidades de negociação dos materiais recicláveis; da promoção da organização e qualificação do trabalho de catadores e de excluidos de oportunidades que queiram ingressar na cadeia produtiva da reciclagem para geração de trabalho e renda.

PELA COLETA SELETIVA, SERES HUMANOS PODEM RECONSTRUIR SUA TRAJETÓRIA DE VIDA E DE TRABALHO

A questão do lixo conjuga aspectos técnicos, econômicos, ambientais, culturais,políticos e sociais que não podem ser tomados de forma isolada. Nenhuma proposta que considere apenas um desses aspectos será boa o suficiente para resolver a questão do lixo. Além disso, não é possível continuar a fazer propostas em torno dos resíduos sólidos desconsiderando a contribuição efetiva que milhares de catadores e depositários de resíduos sólidos vêm dando ao desenvolvimento da indústria da reciclagem no Brasil. Essas pessoas e empresas, que são qualificadas para a coleta seletiva, precisam ser vistas e ouvidas, não como uma curiosidade ou um subproduto do lixo, mas como uma categoria profissional e empresarial que busca se organizar e reivindicar direitos. A coleta seletiva pode ser um importante instrumento para a valorização da dignidade humana e deve ser utilizada com essa finalidade. É por meio dela que pessoas conscientes podem dar sua melhor contribuição para a cidade e para todas as pessoas que nela habitam. Também é pela coleta seletiva que seres humanos podem reconstruir sua trajetória de vida e de trabalho, do lixo à cidadania.

“Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo muitas coisas pequenas, mudarão a face da Terra.”

Provérbio Árabe

Embora as conseqüências do crescimento e do consumo no mundo contemporâneo possam esmagar o social e o ambiental, visando apenas o lucro e o conforto, as pressões vindas de todos os cantos apontam para a necessidade de não termos mais uma relação com a natureza de meros expectadores; somos parte integrante da natureza e temos o dever de minimizar impactos e buscar alternativas de melhoria de condições de vida. Este projeto demonstra como pequenas e importantes ações podem refletir positivamente na preservação do meio ambiente e na sustentabilidade de nossos recursos hídricos e de matérias primas, além de combater a fome e a miséria.